Um estudo publicado na ‘Revista Brasileira de Epidemiologia’, nesta segunda-feira (19), revela que, em cinco capitais brasileiras, uma em cada três mulheres transexuais estão infectadas como vírus do HIV. Porto Alegre lidera a lista, com 56{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0} da população trans infectada.
Os pesquisadores entrevistaram 1.317 mulheres travestis e transexuais nas cidades de Campo Grande (MS), Manaus (AM), Porto Alegre (RS), Salvador (BA) e São Paulo (SP). Para avaliar se elas estavam ou não infectadas, os cientistas realizaram testes rápidos de HIV naquelas que consentiram (97{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0} das entrevistadas).
A epidemiologista Inês Dourado, principal autora do estudo, explica que o preconceito e discriminação são os principais responsáveis por fazer com que essa população esteja mais vulnerável ao HIV.
“Existe uma série de questões que podem explicar porque a alta prevalência do HIV é desproporcionalmente maior na população de travestis e mulheres transexuais. Vai desde a vulnerabilidade estrutural, que inclui as más condições socioeconômicas, ao difícil acesso a serviços de prevenção e cuidados para o HIV e outras infecções sexualmente transmissíveis”, afirma Inês Dourado.
Nas cinco cidades, 34{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0} (ou um terço) das mulheres travestis e transexuais possuem o vírus do HIV, que causa a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids). O número é muito superior à prevalência do HIV na população geral de mulheres no Brasil. Em 2015, apenas 0,4{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0} delas tinham sido registradas com o vírus do HIV.
O município com a maior taxa de prevalência do HIV foi Porto Alegre, com 56{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0} da população estudada infectada; Manaus aparece em segundo lugar (37{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}), seguida por Salvador (31{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}), Campo Grande (27{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}) e São Paulo (26{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}).
O levantamento foi liderado pelo Núcleo de Pesquisa em Direitos Humanos e Saúde da População LGBT+, da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, e contou com a participação de cientista da Universidade Federal da Bahia (UFBA), da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). As informações foram compiladas pela Agência Bori.
Uma a cada quatro travestis e transsexuais precisam recorrer à prostituição para sobreviver
Entre as entrevistadas, a maior parte se definiu como mulher ou mulher transexual (66,6{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}), heterossexual (79,2{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}) e com até 30 anos (50,9{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}). A maior parte das mulheres também disseram exercer trabalho informal (78{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}), principalmente o trabalho sexual (74{ea745f5b8636d6597c0fc8ac9c0f2d640b6664a3078a54c2c479998dee492fe0}).
“A identidade de gênero representa uma barreira para garantir emprego e, em muitos contextos, para garantir a moradia dessas mulheres. Essa é uma população que sofre muita discriminação na sociedade, pela família, pelos amigos, e por parte dos profissionais de saúde. A falta de cuidados mais qualificados e essas vulnerabilidades estão associadas a comportamentos e práticas sexuais que levam ao maior risco do HIV”, comenta Dourado.
Combate a infecção pelo HIV entre população estudada não é suficiente, diz pesquisadora
A autora destaca a importância da realização de estudos sobre a população travesti e transexual para a elaboração de políticas públicas de diversidade.
“A importância desse artigo é evidenciar essa questão da infecção pelo HIV nesse grupo de travestis e mulheres trans, no sentido de mobilizar uma resposta do poder público. Esses estudos são essenciais para mostrar o perfil e o contexto do HIV nessa população. Nos últimos anos, o país passou por um conservadorismo muito grande e essas políticas que foram desenvolvidas há anos estão sendo menos colocadas em práticas. Ou seja, elas existem, mas não estão sendo suficientes. Elas precisam ser em número maior e precisam ser efetivamente realizadas nos diversos municípios do país”, afirma.
Uma das políticas públicas de combate a infecção pelo HIV está a distribuição de PrEP pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A profilaxia pré-exposição ao HIV consiste na tomada de medicamentos antirretrovirais de forma preventiva, com a finalidade de permitir ao organismo estar preparado para enfrentar um possível contato com o vírus.
A cientista acredita que a distribuição gratuita dos medicamentos possa contribuir para uma redução do número de mulheres travestis e transexuais com HIV no futuro. “Há uma expectativa, inclusive modelos matemáticos mostrando que o acesso a essas profilaxias diminui bastante as infecções pelo HIV. Já existem dados de outros lugares do mundo, como Inglaterra, Canadá e Austrália, mostrando a imensa contribuição do uso e do acesso ao PrEP, e a redução no número de infecções”, explica.