O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um Inquérito Civil para investigar a atuação da plataforma Shopee, representada pela empresa SHPS Tecnologia e Serviços Ltda, por permitir a comercialização ilegal de mercúrio líquido em seu marketplace. O produto vendido no formato de “cápsulas de azougue”, supostamente destinadas a rituais religiosos, pode estar sendo desviado para atividades ilegais de garimpo, especialmente na Região Norte do Brasil.
A portaria foi publicada no Diário Eletrônico do MPF em 16 de julho de 2025 e é assinada pelo procurador da República André Luiz Porreca Ferreira Cunha.
Segundo o documento, o marketplace estaria sendo usado para importar e distribuir mercúrio líquido em território brasileiro, sem qualquer tipo de autorização dos órgãos reguladores, como Ibama e Anvisa. Os anúncios foram localizados na plataforma Shopee com descrições em português e opções de envio para qualquer parte do país.
“Considerando que os usuários podem valer-se da plataforma para importar mercúrio líquido e recebê-lo no Brasil, a despeito da inexistência de qualquer autorização dos órgãos competentes”, justificou o procurador.
O mercúrio, altamente tóxico, é usado em atividades de mineração de ouro por meio do processo de amalgamação, sendo um dos principais poluentes de rios amazônicos. A substância está diretamente associada à degradação ambiental e a doenças graves, especialmente em comunidades ribeirinhas e indígenas expostas ao metal pesado.
“Considerando que o garimpo é responsável pelo lançamento de grandes quantidades de mercúrio nos principais rios e na atmosfera do ecossistema amazônico, provocando danos ao meio ambiente e à saúde humana”, afirma a portaria.
Apesar de a Convenção de Minamata, ratificada pelo Brasil, prever exceções para uso religioso, o MPF destaca que não existe nenhuma autorização legal vigente no país para esse tipo de comercialização. O próprio Ibama confirmou, em ofício, que o uso ritualístico do metal líquido não está regulamentado.
“Considerando que, no Brasil, especificamente, não há autorização vigente para aquisição de mercúrio metálico, cuja finalidade seja o uso em atividades religiosas ou ritualísticas”, acrescenta o texto.
Ainda de acordo com o MPF, a Shopee violou não apenas normas ambientais e de saúde pública, mas também seus próprios termos de uso, que proíbem a venda de produtos ilícitos ou perigosos.
“Considerando que os termos de uso da plataforma shopee.com.br vedam ‘fazer upload, postar, transmitir ou de alguma outra forma disponibilizar qualquer conteúdo que seja ilegal, prejudicial, ameaçador, abusivo […] ou de alguma outra forma censurável’”, diz parte do texto.
A atuação do MPF se apoia também em princípios internacionais de direitos humanos e responsabilidade corporativa, como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU.
“A responsabilidade de respeitar os direitos humanos exige que as empresas evitem que suas próprias atividades gerem impactos negativos, bem como enfrentem essas consequências quando vierem a ocorrer”, destaca o procurador, citando o Princípio nº 13 da ONU.
A investigação também aponta que a Shopee pode ser responsabilizada civilmente, mesmo sem ter atuado diretamente na venda, por omissão no controle do conteúdo de sua plataforma, com base em normas como o Código de Defesa do Consumidor, o Marco Civil da Internet e o Código Civil Brasileiro.
EM TEMPO*