MANEJO DO PIRARUCU GANHA ESTAÇÃO DE PRÉ-BENEFICIAMENTO E SISTEMA DE RASTREIO NO MÉDIO SOLIMÕES

Com uma remada calma, precisa e um pirarucu na canoa, o manejador Pedro de Souza relembra do cotidiano da infância. Foi no médio Solimões, na comunidade Santa Luzia do Jussara, proximidades de Fonte Boa (distante 678 quilômetros de Manaus), que ele aprendeu a viver baseado no equilíbrio com a natureza.

Paciente, ele desenvolveu uma verdadeira especialidade para lidar com o pescado que é um dos maiores símbolos da Amazônia. Só de “boiar” dá pra saber tamanho e peso estimado.

A margem de erro é muito baixa quando ocorre, sempre alguns gramas ou centímetros de diferença para o que está na balança. Ele se orgulha desse conhecimento, de saber olhar “para a força da água que o peixe jorra” e ler toda essa informação.

Ele já foi liderança da comunidade, um dos primeiros a defenderem a pesca do pirarucu, como manejo, para o desenvolvimento da região. Agora, colhe os frutos dessa luta. São 9 anos de pesca e comercialização legais.

Foi através de incontáveis toneladas de peixe que ele alimentou a família, ao mesmo tempo que fornecia o alimento a muitos pratos no Amazonas inteiro. É da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (onde está a comunidade) que se origina 80% do pirarucu legalizado consumido no estado.

“Para mim, é um peixe muito importante. É disso que a gente tem nosso ganho. Me sinto muito alegre de hoje termos nosso manejo dessa forma. Ter uma base dessa é muito, muito importante”, comentou.

Estação de pré-beneficiamento

Da canoa ao blockchain, a Amazônia inova sem perder suas raízes.

Da canoa ao blockchain, a Amazônia inova sem perder suas raízes.

 A função da base flutuante, que fica na comunidade, é ser um ponto de retirada de vísceras, pesagem e medição. Ela foi construída com recursos da lei de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P&D&I), da Zona Franca de Manaus – que destina uma porcentagem do faturamento das empresas do Polo Industrial para esse tipo de projeto.

A empresa doadora foi a Positivo. A base foi inaugurada na última quarta-feira (27) e teve a presença do líder técnico de P&D&I da marca, Thiago Boutin.

“A Positivo tem muito orgulho de participar desses projetos, principalmente esses que têm bastante impacto social. Temos essa pegada de educação e tecnologia que traz benefício pra toda comunidade e a gente sabe que se tiverem uma condição de vida boa fica mais fácil para que preservem a natureza”, comentou.

Do lago ao prato, e ao corpo

O projeto foi idealizado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), principal responsável por promover o encontro entre as partes, doador e beneficiado. Além disso, é da entidade também o complemento desse programa inicial: uma cadeia de rastreabilidade e comércio.

Do lago à mesa, cada pirarucu conta uma história de luta e preservação.

Do lago à mesa, cada pirarucu conta uma história de luta e preservação.

 Tudo começa com o Gygas, um aplicativo desenvolvido especificamente para o rastreio. Nele, o próprio manejador cadastra os peixes com as identificações fornecidas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – algo como um CPF do pescado – e cria um banco de dados que auxilia na confecção dos documentos de comprovação que a pesca é legal.

Mas o segredo mesmo (e também o desafio) está na última etapa do app, a comercialização por assinatura. A ideia da FAS é vender cotas do pescado (cortes e pele) para restaurantes e a indústria da moda. O estudo preliminar diz que a renda pode chegar ao valor, em média, de R$ 502,2 mil reais para 45 famílias das três comunidades.

Sustentabilidade e desenvolvimento

 (Pedroca mostra que tradição e ciência caminham juntas.)

(Pedroca mostra que tradição e ciência caminham juntas.)

 Ocorre que o manejo não para porque mesmo quando não pescam, os comunitários fazem uma das mais importantes tarefas da atividade bioeconomia: a vigilância. É deles a responsabilidade de cuidar do pirarucu ao logo de todo o ano, impedir que os pescadores ilegais façam a pesca predatória e retornem o alerta de extinção que ele tinha na década de 1990.

Ao mesmo tempo em que a natureza é preservada, se investe nas comunidades. O manejo, com o bom beneficiamento e a comercialização, agrega valor a todo esse processo feito pelos ribeirinhos.

O resultado não é apenas o sustento, mas também o desenvolvimento das comunidades que podem investir melhor na educação, por exemplo. É um dos passos primordiais para dar oportunidade do conhecimento empírico, amazônico (como o Pedro, do início da reportagem) se aliar com o técnico. Evita a evasão dos comunitários e fortalece uma cadeia cada vez mais promissora.

 

A CRÍTICA*

Leia também

Leave a Comment