Durante 12 dias, o Grupo de Pesquisa Química Aplicada à Tecnologia da Universidade do Estado do Amazonas (GP-QAT/UEA) realizou a terceira expedição de uma das maiores iniciativas de monitoramento ambiental do mundo: o Programa de Monitoramento da Água, Ar e Solos do Estado do Amazonas (ProQAS/AM). Na última viagem do ano, a equipe, composta por oito profissionais, percorreu mais de 1.780 quilômetros pelo rio Madeira com o objetivo de coletar dados, analisar alterações e identificar possíveis alertas ambientais na região. A inciativa possui parceria com o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e o Grupo Atem.
Desde 2022, o grupo atua de forma interdisciplinar, com o envolvimento de pesquisadores das mais diversas áreas da ciência. O barco, que leva o nome do pesquisador Roberto dos Santos Vieira, dispõe de uma metodologia contínua de monitoramento ambiental nas bacias hidrográficas do Amazonas, tendo como prioridade regiões com histórico de pressão antrópica e degradação crescente. A logística das campanhas é cuidadosamente planejada para garantir representatividade espacial e temporal das coletas. Além disso, o grupo tem investido em capacitação técnico-científica de estudantes e jovens pesquisadores da região em fortalecimento à formação local em ciências ambientais.
O coordenador do ProQAS/AM, Prof. Dr. Sergio Duvoisin Junior, destaca a importância da infraestrutura laboratorial instalada pelo GP-QAT, e ressalta que ela permite acompanhar com precisão alterações químicas e biológicas em ecossistemas e identificar contaminações em diferentes espécies e ambientes da bacia do rio Madeira. “A robustez da infraestrutura laboratorial é inédita na região e permitirá análises detalhadas de múltiplos parâmetros ambientais, possibilitando que os resultados sirvam de referência para estudos semelhantes em outras áreas da Amazônia.”
Para o reitor da UEA, Prof. Dr. André Zogahib, o trabalho dos pesquisadores reforça a relevância da pesquisa científica para a sociedade. “A experiência das equipes envolvidas, fortalece a capacidade da UEA de gerar informações estratégicas sobre fenômenos ambientais complexos, identificar alterações químicas e biológicas na água e nos ecossistemas. Esse trabalho como um todo eleva a ciência na Amazônia e a parceria com instituições nacionais e internacionais é fundamental complementando esse estudo para promover o desenvolvimento científico e sustentável a nível internacional”.
Coleta de amostras
Antes da chegada a Humaitá, primeiro ponto de coleta entre os 54 totais, separados por 14 quilômetros cada, parte da equipe inicia as atividades de campo com paradas estratégicas em outros municípios e comunidades ribeirinhas ao longo do trajeto, onde dialoga com moradores e pescadores para identificar quais espécies de peixes, principal fonte de alimentação da população local, são mais consumidas e qual a sua origem. Esse processo segue com a compra de unidades em mercados e demais pontos de comercialização. A análise dessas amostras é realizada devido à importância dos peixes como fonte alimentar para a população. Entre as espécies coletadas estão, jaraqui, pacu, matrinxã, traíra e sardinha.
Apesar da agilidade proporcionada pela coleta em lancha, a equipe constantemente enfrenta as condições climáticas típicas da região, como chuvas fortes, calor intenso e correntezas, que dificultam a navegação e a realização das coletas. Trechos de difícil acesso, como bancos de areia e margens com vegetação densa, também tornam o processo mais lento e exigem atenção constante. Embora se depare com contratempos, o GP-QAT busca manter o cronograma previsto e a qualidade técnica.
Análises na embarcação
Dividida em quatro laboratórios, outra parte da equipe é designada para realizar diferentes análises dos kits de coleta, compostos por cinco frascos com volumes variados, cuja maior parte será examinada ainda a bordo. Entre os parâmetros avaliados estão coliformes totais e termotolerantes, demanda bioquímica de oxigênio (DBO), demanda química de oxigênio (DQO), nitrito, nitrato, nitrogênio orgânico, nitrogênio amoniacal, nitrogênio total, fosfato, fósforo, cloretos, sólidos dissolvidos totais, metais solúveis e metais em suspensão.
Contaminação do ecossistema por mercúrio como consequência do garimpo ilegal
De acordo com dados obtidos em expedições anteriores, a contaminação do ecossistema pode estar diretamente relacionada à intensa atividade de garimpo ilegal, que opera constantemente com o mercúrio, empregado nesse processo para separar o ouro dos sedimentos. Essa prática, apesar de proibida, faz parte do cotidiano de muitos ribeirinhos. Pescadores costumam dividir o tempo diário entre a agricultura familiar e a extração do minério. Em grande parte, a exploração garimpeira é fonte de renda primária para as famílias desde a década de 80.
A presença do metilmercúrio nos peixes, especialmente nas espécies mais consumidas pela população local, também representa um risco silencioso à saúde pública. Por se tratar de um composto que se acumula nos organismos ao longo da cadeia alimentar até chegar ao ser humano, sua ingestão contínua pode provocar efeitos neurológicos severos, principalmente em gestantes e crianças. Por isso, o monitoramento constante dos níveis de contaminação é essencial para orientar ações de mitigação, políticas públicas e estratégias de educação ambiental junto às comunidades afetadas.
A engenheira ambiental e doutoranda do Programa de Pós Graduação em Clima e Ambiente da UEA (PPGCLIAMB) Silvana Silva, responsável pela análise de metais, mercúrio e metilmercúrio do ProQAS/AM, destaca a relevância de compreender a distribuição dos elementos químicos no ambiente. “O monitoramento contínuo permite identificar padrões de contaminação ao longo do rio, oferecendo subsídios para que ações preventivas e educativas sejam planejadas junto às comunidades. É um passo fundamental para minimizar impactos na saúde humana e na preservação dos ecossistemas locais.”
Resultados e futuros impactos do estudo para a população
As três campanhas realizadas pelo GP-QAT/UEA trouxeram dados inéditos sobre a bacia do rio Madeira. Foram reveladas alterações químicas, físicas e biológicas nos ecossistemas aquáticos. Essas análises permitem mapear a distribuição de contaminantes e identificar trechos do rio com maior vulnerabilidade ambiental e fornecem uma visão detalhada da qualidade da água, dos sedimentos e das espécies de peixes.
O Dr. Adriano Nobre, biólogo e chefe de expedição do ProQAS/AM, ressalta que o estudo oferece subsídios para ações práticas e estratégicas na região. “Nosso trabalho permite registrar alterações ambientais de forma detalhada, acompanhar impactos progressivos e gerar dados que orientem o planejamento de políticas públicas e programas de preservação, contribuindo para o uso sustentável dos recursos naturais e para a conscientização das comunidades locais.”
No campo da gestão ambiental e das políticas públicas, os resultados se somam com a outras expedições do grupo pelo rio Negro e Solimões, e fornecem subsídios técnicos para a criação de alternativas econômicas sustentáveis para comunidades ribeirinhas e inúmeras cadeias produtivas baseadas em biotecnologia, bioeconomia e conservação ambiental. Em reforço à Iriru, o GP-QAT conta com quatro novas campanhas agendadas para o ano de 2026 e prevê uma soma crescente de diálogos com a sociedade e o poder público para promover o desenvolvimento econômico, a preservação do ecossistema e o bem-estar das populações da Amazônia.